Locomotiva do tempo
Nasci em uma casa pequenina
De arrancar as paredes para entrar a cama
Nasci assim de poucas moedas rica sina
Na discrição honesto trabalhador sem fama
Cresci em uma família de amor e carinho
De pai deixar seu café com pão
Para alimentar a esposa e seu filhinho
Pouco dinheiro muito coração
Cresci nas ruas nos carreiros nas cabanas
Nos campinhos de várzea a jogar bola
Comendo do pé laranja caqui bananas
Com palavras que cada sua dor consola
Tive a graça de brincar de catar latinhas
De passar os fios elétricos nos canos
Puxar massa jogar telhas esticar linhas
De ajudar a mãe passar na casa panos
Pintei paredes escrevi poemas decorei conjunções
Lavrei autos aprendi línguas aprendi o beabá
Gritei por ordem para organizar multidões
Para manter os irmãos filhos cuidados brinquei de babá
Fui ontem e hoje o amanhã fiz eles tão iguais
Brinquei com o tempo vírgulas travessões enredos
Sofri dores tão minhas de outrem e dos animais
Para seguir precisei acabar com meus medos
Já tirei quase zero em redação quase 10 em matemática
Demorei para aprender a nadar bem falar dançar
Ia até bem nos nove vezes fora mas péssimo na gramática
Mas sabia que para ser bem entendido precisava suar
Já joguei no gol arrepiava no ping-pong e no bets
Tomei Teen leite suco de azedinha ninho com chocolate
Já lavei a alma pratos calçadas a consciência carpetes
Senti medo do trovão da form’estranha que o cão late
Já estive no palco mal cantando mal falando mal conduzindo
Já estive nos rios buscando pneus usados para vendê-los
Vi neste ato minha consciência ecológica fluindo
E com o passar do tempo entendi esses zelos
Ah com o tempo todos os rostos começam a ser tão iguais
Os discursos já parecem ter sido ditos parafraseados
Aquilo que ontem era tão pouco hoje parece demais
Ontem hoje amanhã pneus que não conseguem ser freados